[ Este é o segundo de três artigos que publiquei na revista OS MEUS LIVROS em Outubro, Novembro e Dezembro de 2010 sob o tema genérico da “caça aos livros”. Apesar da distância temporal, creio que ainda têm validade, e assim, a pedido de algumas proverbiais “famílias”, aqui estão, com ligeira edição do texto. Ler também o PRIMEIRO e o TERCEIRO textos. ]
Comprar para revender com algum lucro na Internet pode ser um caminho para a criação de uma boa biblioteca. Palavras mágicas: reciclagem, bom senso, sentido de aventura. E Paypal.
Deseja abrir as portas de Sésamo dos livros à venda na Internet e começar a comprar a bom preço algumas daquelas edições que sempre quis ter. Pode achar um paradoxo, mas o primeiro passo nessa odisseia pode não ser na direcção do seu computador, mas na das suas estantes, ou das bancas das feiras do livro que encontra e desdenha pela cidade. Porque não começar por vender alguns dos seus livros, esses mesmos que estava a considerar oferecer a alguém e para os quais já não vai tendo espaço?
Quando comecei a comprar regularmente no ebay, há uns 6 anos, apercebi-me de que era fácil passar para o “outro lado”, tornar-me eu próprio vendedor e – eis o cerne da questão – começar a amortizar os gastos feitos com as compras.
Fiz portanto uma selecção dentre os meus livros que considerava dispensáveis, e procurei alguns que pudessem atrair um público internacional (apesar de o ebay possuir versões alojadas em muitos países, o “site-mãe” ebay.com é o mais frequentado pelos internautas de todo o mundo). Terá sido sorte de principiante mas, no Verão de 2007, consegui vender por mais de 300 dólares um catálogo da Cinemateca Portuguesa sobre Tod Browning, que tinha comprado nos anos 90 por 1.000 Escudos (5 Euros, aproximadamente). O excelente design do livro, o seu tema de “culto” e o facto de ter textos em inglês fez com que uma californiana e um catalão entrassem num frenesi de licitações nas horas finais do leilão. Ganhou Barcelona.
Pouco depois, decidi experimentar as feiras de livro que costumam abrir para escoar fundos de catálogo. Por menos de 5 euros, comprei um livro sobre Oscar Niemeyer (Campo das Letras), que coloquei no ebay em leilão por um preço ligeiramente superior, para assegurar uma margem mínima de lucro. Um comprador espanhol acabou por levá-lo por perto de 20 euros. Algumas vendas como estas asseguraram a compra de alguns livros que procurava.
LEILÕES A PARTIR DE CASA
É, pois, isto que lhe proponho: pense em vender (ser a presa) antes de pensar em comprar (caçar), e crie uma “almofada” amortizadora de futuras compras. O primeiro passo é abrir uma conta no Paypal, uma modalidade de pagamento e armazenamento de crédito online alternativa aos créditos bancários e às custosas transferências de dinheiro. Uma simples balança de cozinha dar-lhe-á o peso aproximado da sua encomenda (acrescente sempre uns gramas prevendo o empacotamento) e uma consulta à calculadora de preços do site dos CTT dar-lhe-á o valor final com precisão.
Agora, no papel de vendedor, pense no que o atrai mais quando procura livros: informação detalhada – quer sobre o conteúdo, o estado físico do livro, valores dos portes de envio e modos de pagamento que aceita – e “alimento” para os olhos, ou seja, uma ou mais fotografias do seu livro (evite o flash se a capa for plastificada, e, se possível, aloje as imagens num servidor que não seja o do ebay: dessa forma poderá colocar uma imagem maior, ou uma composição de várias fotos do seu livro).
Como qualquer leiloeira, o ebay cobra taxas consoante o valor-base de licitação, ou o valor de venda directa, pelo que, se optar pela forma de leilão, comece com um valor baixo, sobretudo se tiver expectativas de muitas visitas e alguns interessados. Note que poderá tentar começar por sites de leilões ou vendas nacionais (o leiloes.net, por exemplo, recentemente aberto, é o “ebay português”, mas há outros como o miau.pt), mas não será tão mais excitante a aventura de apelar a esses milhões de bibliófilos mundo fora?
TODA A INFORMAÇÃO É VÁLIDA
O ebay permite um contacto directo com vendedores ocasionais, ou livreiros fora da base de dados da Amazon, que poderá prolongar-se e tornar-se um prazer continuado. Um dos vendedores que mais me fascinaram até agora é a Idea Books, uma livraria mantida por Angela Hill e David Owen em Londres, e que se especializa em livros de fotografia, catálogos de arte e no que de mais excitante se possa encontrar relacionado com a cultura popular e visual do século XX desde os anos de 1950. A forma simples, directa mas cativante como eles fotografam e descrevem os seus livros é um prazer para o comprador ou o curioso e um modelo para o vendedor, sem esquecer que é, também, uma fonte de cultura: tenho aprendido imenso com esta pequena loja. Lembre-se que um vendedor cativante costuma estar também disponível, mediante negociação, a conseguir-lhe o valor de portes mais em conta, algo que é de suma importância e que é também, diga-se, comum aos bons vendedores na rede da Amazon.
Uma pesquisa de livros no ebay, aleatória ou orientada, pode também dar-lhe indicações sobre a variação de preços de um determinado título, ou sobre a sua raridade. E descobrir tesouros, inalcançáveis, é certo, mas atrás dos quais há histórias fascinantes, como o exemplar de The Atrocity Exhibition, de J.G. Ballard, que um livreiro de São Francisco vende por 11.400 dólares, um dos raros no mercado e sobrevivente da destruição dessa edição de 1970 pelo seu editor, Nelson Doubleday, após ter descoberto entre os seus contos um que tinha por título “Why I want to fuck Ronald Reagan”…
E pense, caro leitor, que a ubíqua crise que o obriga a contar o dinheiro disponível para a compra adiada “daquele” livro especial, ou até a considerar seriamente estas sugestões de se tornar vendedor ocasional para poder amortizar os custos da “caça”, pode, por portas e travessas, vir em seu socorro no momento da compra. Ainda durante os últimos anos do governo de George W. Bush, as bibliotecas americanas sofreram cortes brutais nos seus orçamentos de gestão, o que as obrigou a, literalmente, despejar quilos de livros das suas prateleiras. Entram em cena recolectores de livros como a Goodwill Books, que os armazenam e vendem por preços simbólicos, que podem chegar a 1 cêntimo de dólar, com valores de portes muito baixos também. O resultado das vendas reverte em benefício de pessoas carenciadas, atingidas pela mesma crise que levou esses livros quase ao lixo.
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