[ Este é o terceiro de três artigos que publiquei na revista OS MEUS LIVROS em Outubro, Novembro e Dezembro de 2010 sob o tema genérico da “caça aos livros”. Apesar da distância temporal, creio que ainda têm validade, e assim, a pedido de algumas proverbiais “famílias”, aqui estão, com ligeira edição do texto. Ler também o PRIMEIRO e o SEGUNDO textos ]
E de repente o livro usado volta a seduzir-nos. O excesso de má e cara oferta de novidades tornou o velho livro de bolso ou capa dura num objecto apetecível, que encontramos em cada vez mais esquinas e que procuramos nesses indefectíveis guardiões do castelo: os alfarrabistas.
Há uns 4 anos, no arranque desta recessão em que ainda estamos, encontrei uma notícia curiosa. No Reino Unido, apesar de uma quebra no volume de vendas de livros novos, começava a registar-se uma procura crescente às livrarias de usados, vulgo “alfarrabistas”, de tal forma que alguns livreiros tinham recorrido ao impensável neste sector de mercado: a contratação de pessoal. Um excitante cruzamento de possível cansaço da fraca qualidade média das novidades editoriais e desejo de obter bons livros a baixo preço levou a uma revitalização súbita do livro usado.
Tal como referi nos dois textos anteriores, a internet terá sido um catalisador importante neste regresso ao livro usado. Para além das habituais vendas em loja ou em feira, o alfarrabista de hoje caracteriza-se por uma sólida presença na rede, com particular destaque ao lado visual e, se quisermos, “pedagógico”, fotografando capas e algumas páginas interiores e informando sobre o contexto da produção das obras.
“Algumas pessoas visitam o blogue apenas para ver as capas e aprender sobre livros”, disse-me o editor e alfarrabista Paulo da Costa Domingos. A sua loja Frenesi, é um caso de perfeita simbiose com a internet, e as pepitas visuais que por lá se encontram não passaram despercebidas a um dos blogues mais influentes de memorabilia bibliófila, o 50 Watts (antigo Journey Around My Skull). Apesar de não ter loja “física”, a sua presença assídua na concentração semanal de alfarrabistas na Rua Anchieta, ao Chiado, serve de complemento ao seu comércio online, caracterizado por livros raros a um preço entre o acessível e o inalcançável. Mas, mesmo nestes casos, que belos encontros!
Outra presença assídua no Anchieta é a 1870 Livros. Tal como a Frenesi, apostam numa apresentação clara e personalizada dos livros, e primam pela perspicácia e sentido de oportunidade.
O encontro da Rua Anchieta (aos Sábados, das 10 às 18 horas) tem sido o motor de uma revitalização do comércio alfarrabista em Lisboa, expondo estes livros a um público heteróclito e tendencialmente mais novo do que o que frequentava habitualmente os tradicionais alfarrabistas ou a Feira da Ladra. Livrarias como a Letra Livre, por exemplo, à Calçada do Combro, souberam impor-se como “marcas” através de presenças assíduas na Feira do Livro (um evento que começa a justificar uma presença mais alargada de alfarrabistas) e com um excelente serviço online (foi recorrendo a este que consegui a um excelente preço um perfeito exemplar da 3.ª edição do Dinossauro Excelentíssimo da dupla Cardoso Pires/João Abel Manta). No seu site, pleno de informação, chegam mesmo a sugerir outros alfarrabistas “vizinhos”, como a Nova Ecléctica, que compensa um espaço mais reduzido e tradicional com um excelente atendimento e alguns excelentes achados, e a Livraria Antiquária do Calhariz, com a sua montra exemplar.
Livrarias mais tradicionais como a Barateira [entretanto fechada], a Olisipo e a Loja das Colecções [em liquidação, à data deste post], naquele triângulo entre as Escadinhas, o Largo Trindade Coelho e a Trindade, ou até, se quisermos ir de passeio à linha num Sábado, a inevitável Galileu (a um passo da estação de Cascais) continuam, contudo, a ser pontos obrigatórios de paragem, com ou sem presença online.
O Porto conheceu nos últimos anos uma curiosa investida de novos alfarrabistas acima da Rua de Ceuta, em particular na esquina da José Falcão com a Rua da Conceição, um deles especializado em Banda Desenhada. Trata-se de um bem-vindo acréscimo aos tradicionais e referenciais alfarrabistas da Rua das Flores e à Académica. Há também bons exemplos de articulação com blogues ou sites próprios, como o caso da bem escondida loja de José Lopes Gomes Soares, na Rua do Bonjardim, ali atrás do Palácio dos Correios, ou como a In-Libris. [Outros e excelentes alfarrabistas abriram ou reabriram desde 2010, como o Homem dos Livros ou a loja Candelabro, que reabriu entretanto ao fim da Rua de Cedofeita.]
Dado que dependem em grande parte de um contacto físico com os leitores para o seu comércio, as vendas online destes livreiros fazem-se ainda recorrendo a métodos tradicionais, como o envio à cobrança ou transferência bancária, sendo que o Paypal é, de facto, ainda uma raridade como modo de pagamento aceite (algo, curiosamente, que têm em comum com a maioria dos “sebos”, os alfarrabistas brasileiros online a que podemos aceder pela excelente Estante Virtual).
Num dos mais célebres aforismos do seu Medium is the Massage (de que já escrevi aqui no primeiro destes três textos), Marshall McLuhan escreveu que nos dirigimos para o futuro virados para o pára-brisas mas olhando pelo retrovisor. Curiosamente, isso hoje parece-me menos passível de crítica do que quando o li pela primeira vez ou do que o autor quis certamente dar a entender. No que toca ao livro, o retrovisor tem até aumentado e tornado-se mais nítido, permitindo-nos redescobrir e reforçar a nossa ligação afectiva e cultural às edições passadas. Num contexto de fraca qualidade média da produção editorial, e de incerteza crescente face ao futuro, os alfarrabistas são este “retrovisor” providencial: com os olhos nele estaremos a salvo.
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Pedro, podes verificar os links das livraria por favor? os sites mudaram ou fecharam? obrigado
Tem toda a razão, Rómulo. Já corrigi esse erro, e acrescentei links de outros alfarrabistas do Porto de que gosto particularmente.
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