LX60: para retronautas

Esta colaboração da jornalista Joana Stichini Vilela e do designer Nick Mrozowski, agora publicada pela Dom Quixote, aparece como um híbrido de livro (com uma apresentação luxuosa: capa dura com relevos, guardas ilustradas, papel Munken ou aproximado) e revista. Na verdade, até há alguns anos chamava-se a esse tipo de híbrido um “almanaque”, um género de edição, normalmente anual, que abordava e relembrava os eventos e figuras de uma ou várias áreas da vida social e cultural nos 12 meses precedentes. Sem a mesma divisão por áreas temáticas, este volume apresenta-se organizado em torno do mesmo eixo diacrónico que servia de base à estruturação desses almanaques. Composto de perto de 110 entradas, desde a inauguração do Metropolitano de Lisboa em 1960 à inauguração do Bairro dos Olivais em 1969, a influência da tarimba jornalística dos autores é bastante óbvia neste LX60: textos pouco longos e profundos, prosa de leitura rápida, com frases curtas, recurso a citações de entrevistas feitas ad hoc, e uma planificação onde imperam os spreads de abertura, com título e lead sobre uma ilustração (e são muitas: marca do estilo do jornal i, onde os dois autores trabalham).

São, pois, curtas visitas a acontecimentos e figuras da década, que compensam a necessária superficialidade do tratamento com algumas surpresas e histórias curiosas (a da prostituta que passou uma noite com o assassino de Luther King, por exemplo). Para além do óbvio valor como documento de consulta visual, o seu valor como documento literário sobre a década não ultrapassa o domínio do factual dentro do estilo jornalístico, faltando-lhe, para além das citações dos entrevistados, uma maior aportação memorialista ou autobiográfica (a autora nasceu em 1980), pelo que usá-lo como complemento em leituras de textos mais substanciais ou pessoais sobre as memórias da Lisboa dos anos 60 (como, por exemplo, Século Passado de Jorge Silva Melo, ou Lisboetas no Século XX – Anos 20, 40 e 60 de José-Augusto França) será inevitável.

A ausência de uma organização temática para o volume deixa também pensar na possibilidade de um maior aprofundamento em algumas áreas, como o design, a publicidade ou a edição. Os artigos dedicados aos móveis de Daciano da Costa e da Olaio, ao design de maços de tabaco de António Garcia, à agência Êxito, aos filmes publicitários de Mário Neves ou ao livreiro Luís Alves Dias permitem pensar em possíveis monografias mais especializadas, ao estilo, por exemplo, de um Design Gráfico Brasileiro: Anos 60 (publicado pela Cosac Naify). Essa maior profundidade temática teria permitido a inclusão de alguns estranhos ausentes deste volume, em especial os ilustradores e cartoonistas da imprensa lisboeta (ausente está, por exemplo, e com alguma surpresa, João Abel Manta); em vez disso, temos algum excesso de ilustração contemporânea, nem sempre com bons resultados (como no caso do episódio da prisão de José Vilhena ou do tabuleiro do “jogo do prazer e da sedução”, o esquema da prostituição em Lisboa no início da década).

No momento em que preparo uma monografia sobre Fernando Ribeiro de Mello e as edições Afrodite, foi particularmente interessante descobrir seis páginas dedicadas ao editor (abertas com uma boa ilustração de Patrícia Furtado). Não me recordo de outra evocação dele publicada em revista, jornal ou livro nos últimos vinte anos (nem a revista K, na sua sanha recuperadora dos “malditos” e marginais, se lembrou de ir visitá-lo antes da sua morte em 1992), pelo que estas páginas conferem muitos pontos a este volume pela oportunidade e pela compensação do estranho esquecimento mediático do “Dali” de Campo de Ourique. Apesar da ausência de qualquer imagem de arquivo, é um retrato escorreito e que recorre a boas fontes orais (Vítor Silva Tavares) e bibliográficas (a excelente introdução de Ana Hatherly à segunda edição d’A Vénus de Kazabaika).

Se em vez de um mergulho profundo nos ficamos pela superfície das ondas, temos pelo menos um bom guia de navegação nostálgica, e uma aquisição sólida para retronautas. Espuma possivelmente, mas espuma brilhante, nutritiva e bem espessa.

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