Category Archives: Soltas
“Une image qui ne provoque pas, ça ne vaut pas la peine”
Roman Cieslewicz em 1978, numa reportagem da France 2 (apenas frames – o código disponibilizado pelo site do INA não foi reconhecido pelo WordPress – o filme pode ser visto aqui aqui).
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Cieslewicziana audiovisual
Changement de climat, um pequeno filme de 1977 em que Roman Cieslewicz juntou som (de François Libault) às suas colagens com o mesmo título genérico (filmadas com uma rostrum camera por Philippe Stollsteiner e Emmanuel Meynard). (Via David Crowley)
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Um ladrão de livros em Tóquio, 1968
Frames das cenas iniciais do filme de 1968 Shinjuku dorobō nikki (Diário de um ladrão de Shinjuku) realizado por Nagisa Oshima (1932-2013). Torio (interpretado pelo artista plástico e designer gráfico Tadanori Yokoo) é apanhado a roubar livros numa livraria (entre os quais o Diário de um ladrão de Jean Genet), algures na zona de Shinjuku, em Tóquio. A empregada que o denuncia ao patrão, perante a relutância deste em denunciar o roubo às autoridades, decide desafiar secretamente o jovem e inepto larápio: concede-lhe mais três tentativas de roubo até chamar a polícia. Sombras do Pickpocket de Bresson (Nouvelle Vague obligeait), numa versão mais crua e desencantada.
O poster do filme (ou melhor: os posters, pois parece ter havido mais do que um) foi da responsabilidade do próprio Yokoo, que o acrescentou às dezenas de outros cartazes num estilo Pop com um gosto particular pelo bizarro e o grotesco (composições que misturavam colagens com desenho de linha clara, com áreas de cor plana e contrastes violentos, e uma iconografia que recuperava as imagens vernaculares da cultura popular japonesa) que já tinha feito para as companhias de teatro de vanguarda, e que compunham o grosso do seu portfolio, cartazes seminais na fixação do estilo visual angura (termo japonês para designar obras de arte gráfica ou performativa que estejam à margem do gosto dominante, ou seja, o que no ocidente se convencionou chamar de underground).
Yokoo era próximo dos círculos do novo teatro japonês de vanguarda de então, mais ou menos underground (mais no caso das peças de Shuji Terayama; menos no caso das peças de Yukio Mishima, ainda no máximo da celebridade por aqueles dias, e com quem Yokoo estabeleceu uma forte amizade).
É precisamente nesse ano de 1968 que a sua carreira arranca internacionalmente, ao participar na exposição de cartazes “Word and Image” no MOMA de Nova Iorque, para a qual lhe é encomendado o cartaz oficial.
Tadanori Yokoo voltou a entrar em apenas outros dois filmes, incluindo, em 1985, um pequeno papel no filme de Paul Schrader Mishima: A Life in Four Chapters, para cuja edição em DVD pela Criterion, há uns anos, desenhou a capa. Neste filme, no segmento “A Casa de Kyoko”, interpretou uma misteriosa personagem que, numa breve conversa, inculca na personagem principal a inevitabilidade do suicídio (cena catártica, sem dúvida, da dor que a morte do seu amigo e mentor Mishima lhe causara em 1970).
Oshima, esse, que em 1968 tinha já uma carreira de dez anos, não parou de fazer filmes até 1999. Morreu ontem com 82 anos.
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François Maspero, filmado por Chris Marker em 1970
Frames de um curto documentário de 1970 de Chris Marker (falecido há umas horas, aos 91 anos) sobre o livreiro e editor parisiense François Maspero, para a série On Vous Parle De.
De La Jetée a Victoria etcetera
Os dois contributos de Germano Facetti para o cinema: quatro fotogramas de La Jetée de Chris Marker (1962; ele é o primeiro “homem do futuro” no 3.º fotograma) e três fotogramas do genérico da curta metragem (19 minutos) Victoria etcetera, realizada em conjunto com Paolo Gori em 1970 (pode ser vista na íntegra no site da agência Lux).
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Germano Facetti: “sono vivo”
Germano Facetti em Paris, década de 1950
Lembram-se do Zelig de Woody Allen? Nesse pseudo-documentário, víamos a vida de um homem que, graças a uma natureza camaleónica, conseguia estar nos locais e nos momentos mais marcantes da sua época (os anos 20 e 30 do século passado). Pois estou em crer que Germano Facetti, nascido em 1926 (andava já o ficcional Zelig numa roda-viva), tinha algo de zeliguiano na sua essência. Parece estar nos locais incontornáveis e com as pessoas certas no ressurgimento da cultura europeia no pós-guerra. Limitemo-nos a uma listagem dos locais e anos da sua frenética biografia: em 1944, com 18 anos, é libertado do campo de concentração de Mauthausen; estuda e estagia em Milão até 1950; vai para Londres no início da década seguinte, e aí participa na exposição seminal da Arte Pop This is Tomorrow, em 1956; no final dos anos 50 envolve-se com o grupo de “angry young men” do teatro londrino, e com os jovens lobos do que virá a ser o “free cinema” da década seguinte; em 1961, entra na Penguin Books de Londres como director de arte; em 1962, em Paris, colabora com Chris Marker na selecção de imagens e produção de La Jetée (onde aparece como “actor”), filme quase tão lendário já como o seu realizador. E a década de 60 nem tinha ainda terminado, a mesma em que ele dirigiu a mais importante renovação de imagem editorial (desde a entrada de Jan Tschichold para a mesma Penguin logo após a Segunda Guerra Mundial), trabalhando em conjunto com o editor de ficção da Penguin, Tony Godwin, na criação de um impacto nas livrarias em que, como escreveu Barry Miles, os livros “flutuavam numa neblina prateada”.
Café Torino, no Soho (Londres), década de 1950
Mas esse primeiro momento dramático da sua vida, esse ano passado num dos piores campos de morte nazis, permaneceu fora da sua biografia pública até depois dos seus 70 anos, quando foi revelado ao seu amigo e documentarista Anthony West (que dessa revelação, e dos documentos que a acompanhavam, produziu o filme The Yellow Box em 1998). Era, pois, desconhecido dos seus colegas de trabalho e dos leitores que o homem que decidira pegar ele próprio no redesenho da capa de Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de George Orwell, republicado pela Penguin em 1961, e fazer dela uma das mais assustadoras jamais produzidas para uma edição dessa obra, tinha sido uma testemunha directa do que um estado concentracionário pode fazer a um indivíduo para quebrar a sua personalidade e independência. Talvez nem mesmo Chris Marker soubesse que o amigo que o ajudava a produzir um filme sobre as experiências de viagem no tempo que a potência nuclear vencedora da Terceira Guerra Mundial fazia em cobaias humanas tinha vivido junto a outras cobaias humanas, vítimas de outras experiências, às mãos dos vencedores temporários de uma guerra (a amizade entre os dois terá começado na altura em que Marker tinha acabado de colaborar com Alain Resnais no documentário sobre os campos de concentração Nuit et Brouillard em 1955).
A descoberta da “caixa amarela”: fotograma do documentário de Anthony Weston The Yellow Box (1998)
Capa (feita com restos do seu uniforme de prisioneiro: 53396 era o seu número) do caderno que Germano Facetti compilou durante o ano que passou no lager de Mauthausen
Em baixo: parte do conteúdo do caderno (auto-retrato de Facetti, desenho de prisioneiros transportando cadáveres e uma fotografia)
Estas imagens são retiradas do único livro disponível onde todo o arco existencial de Facetti pode ser consultado, incluindo, claro, a experiência no lager de Mauthausen e sua revelação pública muitos anos depois, e de forma casual: Germano Facetti – dalla rappresentazione del Lager alla storia del XX secolo (Silvana Editoriale, 2008). Trata-se de um volume que acompanhou a exposição “(R)esistere per immagini”, montada em 2008 (dois anos depois da morte de Facetti) em torno do conteúdo dessa pequena “caixa de Pandora”: o seu caderno de apontamentos, desenhos e recortes, mantido em segredo durante o ano de cativeiro em Mauthausen. É comovedor descobrir que o homem que esteve por trás da imagem de milhares de edições (mais de duas mil, só na Penguin) tivesse o seu mais importante livro escondido e mantido secreto durante décadas, envolto nos restos do seu uniforme de prisioneiro e encerrado numa vulgar caixa amarela da Kodak. Mas há mais revelações curiosas, como o texto de Richard Hollis que contextualiza os 20 anos da vida de Facetti em Londres, mais próxima dos meios da classe operária do East End (será sobre a miséria e a exploração que esteve por trás da edificação das Docas de Londres que fará o seu único e brilhante documentário em 1970, Victoria Etcetera, uma colaboração com Paolo Gori bem ao estilo de Chris Marker – pode ser visto aqui) e dos cafés da vanguarda e boémia londrina, como o Café Torino no Soho (Hollis escrevera já o obituário de Facetti no Guardian, e aí revelara detalhes curiosíssimos das suas idiossincrasias). Gianfranco Torri consegue, talvez, a melhor definição desta personagem multiforme: mais do que um “grafista” orientado para a realização de projectos, Facetti seria, antes, um “metteur-en-scene” (com grande propriedade, o autor usa e prefere a expressão francesa à anglófona “art director”) que geria “metaprojectos”, alguém “que trabalhava no campo do design editorial comercial, mas que, ao mesmo tempo, promovia o confronto entre culturas e linguagens expressivas diferentes, identificando os seus possíveis usos mas também deixando clara a dificuldade de uma ‘leitura objectiva’ da imagem” (“Il mestiere di grafico di Germano Facetti”, p. 105, traduzido do italiano).
O livro, contudo, deixa-nos algumas questões por responder, sobretudo as que eu gostava de ver respondidas. Quais as exactas circunstâncias da colaboração entre Marker e Facetti, que parece ter tanto influenciado este último (segundo Hollis, já nos anos 50 Facetti procurava que o layout de um livro se assemelhasse à montagem de um documentário, e era isso mesmo que, por esses anos, Marker fazia na sua colecção “Petite Planète” na Seuil)? Onde estão exemplos do trabalho gráfico de Facetti depois da Penguin, sobretudo em Itália (ou do trabalho que fez para outros projectos ao mesmo tempo que estava na Penguin, ainda que a History of the Twentieth Century da Purnell esteja bastamente documentada aqui)? Como era ele como professor? E há ligações que ficam, diria quase espantosamente, por fazer: por exemplo, em face da descoberta da experiência de Facetti num campo de concentração (e do próprio Marber, que concebeu a grelha para as capas da Penguin dos anos 60), aquela capa de Nineteen Eighty-Four, cujo design Facetti assumiu pessoalmente, parece não suscitar nenhuma faísca por parte dos exegetas (ela não aparece sequer reproduzida).
A bibliografia sobre Germano Facetti é escassa: o seu mais importante testemunho sobre design editorial data de 1967, um texto publicado na revista Dot Zero (“Paperbacks as a mass medium”, republicado no volume Penguin by Designers da Penguin Collectors Society (Facetti estava já demasiado doente para comparecer em Londres e juntar-se aos seus antigos colegas da Penguin no museu V&A, pelo que a edição desse volume recorreu à republicação do texto e não à transcrição de uma palestra); há um célebre texto seu sobre Robert Massin publicado na Typographica de Herbert Spencer (e republicado na antologia facsimilada The Liberated Page do mesmo Spencer); um livro a meias com Alan Fletcher já esgotado e fora do mercado (Identity Kits, publicado pela Studio Vista em 1971); mas o mais acessível continua a estar no livro de Phil Baines sobre a Penguin (Penguin by Design), onde os dez anos cruciais do trabalho de Facetti são meticulosamente analisados. Falta, como é claríssimo, uma monografia que traga nova luz ao trabalho gráfico e à herança cultural deste verdadeiro Zelig da cultura visual europeia do pós-guerra. Afinal de contas, tal como o jovem Facetti escreveu de si próprio aos seus pais num documento que tornava oficial a sua libertação do lager em 1944, a sua marca parece-me estar ainda muito viva.