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Palla: Ler, editora

A descoberta, há dias, numa FNAC de Lisboa, de um grande stock deste Dicionário de Milagres de Eça de Queirós (stock proveniente, com certeza, da livraria Ler do Sr. Luís Dias, a Campo de Ourique), foi o pretexto para relembrar a colaboração de Victor Palla com esta pequena editora lisboeta que conseguiu publicar dois livros (agora cobiçados e caros) de Luiz Pacheco e pequenos exercícios formais do próprio Palla, além de se poder gabar da façanha de, numa edição (precisamente este Dicionário), reunir na ficha técnica os nomes de Pacheco, Palla e Eça.

Em Janeiro de 2008, alguns dias depois da morte de Luiz Pacheco, comprei ao mesmíssimo Luís Dias, a preço de saldo, os dois volumes dos Textos de Guerrilha do autor. Desconhecia de todo o catálogo da Ler, e que a editora funcionara ali mesmo naquela papelaria/livraria na Rua Almeida e Sousa, em frente ao belo Jardim da Parada.

Em face da capa do tomo 2 dos Textos de Guerrilha (edição de 1979), foi-me também algo difícil associá-la imediatamente a Victor Palla, e apenas uma consulta à ficha técnica o permitiu. Não é, de todo, uma capa ao nível das que nos habituámos a ver no seu “cânone”, faltando até uma das suas assinaturas de estilo: a tipografia desenhada e laboriosamente composta. Aqui o texto a preto numa não-serifada bold e itálica sobreimprime uma composição abstracta riscada a carvão ou pastel e impressa a uma cor. Era também estranho descobrir que a capa do primeiro volume não era sua, o que permite supor um recurso a uma solução de emergência para uma edição com pouco cuidado visual (e à qual falta o atractivo das ilustrações de Vasco, que se encontram no primeiro volume).

Outro galo (em rigor: anjo) canta na capa do Dicionário de Milagres. Do mesmo ano de 1979, esta edição parece ter tido a possibilidade de investimento num maior efeito visual e táctil, que se resume num cortante circular que envolve e ao mesmo tempo revela o desenho do torso de um anjo. A manualidade na criação da tipografia está em pleno no nome do autor, a vermelho sobre o fundo preto. O livro (uma reedição dum texto “menor” de Eça de Queirós, da última fase da sua vida literária) não possui qualquer ilustração ou detalhe tipográfico ou composicional digno de menção, mas esta entrada quase “cenográfica” e uma maior pausa para respiração nas duas páginas de abertura, com o nome do autor e o título separados, elevam esta edição a outro patamar gráfico.

Ora parece ter sido dessa forma lúdica e aventureira graficamente que Palla começou a sua colaboração com a Ler, a julgar pela data (1978) da ficha técnica de dois pequenos livros, de formato sensivelmente quadrado (10 x 9,7 cm), dos quais é o autor: Provérbios e Epigramas, títulos auto-explicativos, mas que escondem uma enorme facilidade com as palavras e com os jogos das mesmas a nível literário. Pequenos apontamentos tipográficos (os enormes números de página, por exemplo, que permitem, como num flipbook, uma sequência animada no folhear) não impedem a fruição do texto. E há já – o que é também comum à edição do Dicionário – a assunção de um logotipo para a editora.

Eis pois o polivalente Palla a poder cumprir, num projecto de edição mais modesto, essa mesma polivalência: grafista, tradutor e antologiador (numa edição de poemas ingleses da Ler de meados da década seguinte), autor (editor tinha-o já sido nos anos 50). No volume Falando do Ofício, publicado em 1989, nada se revela desta colaboração editorial na parte final da sua carreira (ainda que as suas misteriosas “capas fictícias” sejam referidas com sentido de humor, como transcrevi já aqui). Talvez o Sr. Luís Dias tenha algo interessante que contar. (Obrigado à Maria João Freitas pela oferta).

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