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Capas do cesto dos proibidos (IV)

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Capa de Miguel Flávio para a edição da Prelo de Histórias Dramáticas da Emigração de  Waldemar Monteiro. O livro foi proibido em relatório de Abril de 1970 (n.º 7.772), com a ressalva de que algumas das histórias contadas eram tão deprimentes que a sua divulgação poderia até servir de “travão” à emigração. O autor morreu num acidente de viação antes da publicação do livro, quando transportava consigo as provas se revisão deste.

É curioso comparar esta capa à de dois outros livros anteriores sobre o mesmo tema que, quase inexplicavelmente (servindo uma notória e propositada aleatorieadade de algumas decisões dos serviços de Censura como possível explicação), não foram também proibidos: França, Emigração Dolorosa de Nuno Franco (1965) e O Salto de Nita Clímaco (1967).

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Ainda que próxima da capa deste último (o uso da Helvetica, o recurso ao desenho a tinta sobre o fundo branco), aqui, ao contrário desses dois exemplos, o emigrante em primeiro plano está já a caminho, de costas viradas para nós e unido à frágil, apenas esboçada, fila de marchantes que se perde no horizonte. Apesar de feito do relato de casos individuais, parece lógica esta opção por uma certa frieza e “impessoalidade” na capa de um livro publicado numa editora conhecida, sobretudo, pela sua produção de ensaios de análise social e económica.

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Emigração dolorosa

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Lançado há pouco mais de 50 anos, no início do Verão de 1965, na colecção “Vária” que o recém-empossado director editorial da Ulisseia, Vitor Silva Tavares, criara para publicar textos dificilmente encaixáveis noutras colecções, este França: a Emigração Dolorosa de Nuno Rocha traz a este ano de 2015 desconfortáveis memórias. O desconforto de um passado de pobreza envergonhada e escondida nas berças minhotas e beirãs, apenas a duas gerações de distância, mas também o de um discurso político oficial que – tal como o de hoje – procurava manipular ou ocultar os números reais da emigração. Como exemplo, um parágrafo na página 20 ganha agora uma espantosa urgência, quatro anos depois do início de um novo surto migratório, o maior desde essa primeira “sangria” de há meio século:

“Lisboa, entretanto, dormia sobre este surto migratório. Ninguém se apercebia de que pelas fronteiras, legalmente ou como clandestinos, passavam diariamente centenas de portugueses como que repelidos pelo meio em que viviam. O sol de Maio inundava o Terreiro do Paço, coalhadinho pelos automóveis dos funcionários que despachavam tranquilamente nos seus gabinetes. Mas era como se o sangue saísse das veias do país. A Junta da Emigração calava-se, cúmplice, procurando que ninguém descobrisse o que estava a passar-se.”

Com base numa série de artigos escritos em 1963 – quando o jornalista se juntou a um grupo de emigrantes e acompanhou a viagem em “camioneta” de Melgaço a Paris – e publicados no Diário Popular, este foi o primeiro livro dedicado a este delicado assunto e logo publicado numa editora que, sob a direcção de Silva Tavares, seria um alvo quase constante da censura e da PIDE. É por isso certa a interrogação de Maria Isabelle Vieira: como foi possível que este texto – incómodo, acusatório, acompanhado de fotografias dos primeiros miseráveis “bidonvilles” onde os emigrantes se acolhiam, como o de Champigny – fosse poupado a uma proibição, a não ser pela estratégia da “arbitrariedade”?

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Com uma paginação que remete as fotos do autor para uma série de extra-textos ao longo do livro, estava-se compreensivelmente ainda longe dos “livros integrados” da década seguinte, mas estavam também aqui os elementos básicos para o que poderia ter sido o “nosso” The Seventh Man (o “clássico” de 1975 sobre os trabalhadores migrantes na Europa escrito por John Berger, com fotografias de Jean Mohr e design de Richard Hollis), ainda que sem a frieza analítica de Berger e o pessimismo sobre as “promessas” das sociedades europeias materialmente mais avançadas a estas centenas de milhar de pobres das margens da Europa: Rocha era, apesar de tudo, um optimista, e, para além da óbvia exploração desta força de trabalho, via benefícios para a vida nacional no regresso destes homens, do simples consumo à arquitectura (quando o depois vilipendiado estilo “maison”, trazido de França pelos que aí trabalhavam na construção civil, era ainda uma refrescante melhoria das miseráveis condições de habitação nas aldeias). A capa de Rocha de Sousa, contudo, segue o adjectivo do título de forma muito clara, clara demais para o luxo de algum optimismo.

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