Tag Archives: Ficção Científica

A.D. 2230

Outro dos achados na biblioteca de João Barreiros, numa edição da Parceria A.M. Pereira de 1930. Ficção-científica portuguesa em anos de Modernismo (com um futuro arquitectónico à la Sant’Ellia). Desconheço a nome do autor da capa.

A.D. 2030
Cover of a Portuguese SF novel published in 1930 (with a very Sant’Ellia-influenced architectonic apparatus).

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Viagens de João Barreiros (I)

João Barreiros é divulgador e autor de FC em Portugal há mais de 30 anos. Para quem está dentro do “meio” (vulgo, “fandom”), é um nome que dispensa apresentações. Mesmo quem está fora do meio (ou meio dentro), como eu, tem alguma referência ao seu nome no banco de memória. As minhas primeiras são já dos distantes anos ’80 do século passado, quando o ouvia, de vez em quando e às noites,  no programa Imaginário da Antena 1. E, claro, quando em 1988 descobri numa (ou melhor, na) livraria de Viana do Castelo um exemplar dum livro fascinante (ainda hoje é), o catálogo do ciclo de cinema de FC de 1984 publicado pela Cinemateca. Visitei a sua biblioteca e lancei-lhe o desafio de algumas “viagens” a capas mais ou  menos distantes, quer de livros seus ou a que tivesse estado ligado, quer de livros que considerasse relevantes. Eis a primeira de dez viagens/capas, que incluem alguns achados irresistíveis. (Aviso: contém linguagem directa e franca).

A VERDADEIRA INVASÃO DOS MARCIANOS
João Barreiros
Editorial Presença, 2004

Com a minha provecta idade já devia saber que o menino Jesus não existe. Erro meu. Neste caso, esperar que a capa de um livro respeite especificamente, com um rigor inquebrantável, todos os conteúdos que lá dentro, muito bem escondidos, olham para nós com olhinhos piscos e esperançosos. Estou a falar, claro, das minhas aventuras com a Editora Presença e a capa do meu livro marciano Não estamos divertidos.

OK. Abram os olhos de espanto e pasmem-se.

O resumo da contra-capa. Perguntei ao responsável da época se haveria alguém capaz de o fazer, ou seja, sintetizar um texto hiper-complicado em 25 linhas apelativas. “Oh, João”, exclamaram, de mãos erguidas aos céus. “Claro que somos. A nossa equipa editorial é das mais competentes que existem. Acha que vamos ter dificuldades em resumir o seu livro? Nunca! Confie em nós”.

OK, tudo bem. O menino Jesus existe, e os epifenómenos ocorrem mais vezes do que aquilo que pensamos. Correcto?
Brincamos! Dois dias depois, um telefonema. Uma voz melífica do outro lado: “João, oh, João, não seria melhor ser você a escrever o texto da contra-capa? Já que foi o João a escrever o livro? Uhn? Importa-se? É que a nossa equipa de produção encontra-se de momento ocupada/doente/ausente em parte incerta… Anh? Quem é amigo, quem é? A poucos autores cabe este dilecto prazer de se resumirem a si mesmos… Concorda? Então queremos esse texto todo escritinho até ao final do dia…” Calei-me e cumpri ordens. Escrevi o tal texto. Ipsis verbis. Tal qual como aparece na contra-capa. Eivado de alguns spoilers, mas é assim mesmo. Para que os jovens leitores da colecção entendam que NÃO estou a falar de Fantasia, mas sim de FC steam/ciber/ribo/punk.

Quanto à capa propriamente dita, aquela que todos vós agora têm o duvidoso prazer de contemplar na imagem. “Ó João, claro que pode fazer sugestões para a capa do seu livrinho… Afinal ele é obra sua…”

OK. Quero uma cratera. Falésias de calhaus rolados. Ao centro, a pirâmide marciana com um canhão no topo e um olho desenhado numa das faces. Em volta, um parque de trípodes abandonados, patinhas para o ar como as aranhas. Na encosta da cratera, o cilindro naufragado, emaranhado na paravela, de portas abertas, rodeado de caixotes.
À volta do cilindro, de pé, cinco escafandros retro, daqueles que poderiam ter sido usados no século XIX. Fácil de executar, não acham?

Dias depois: “Ai João, ai João, os nossos desenhadores desconhecem o tipo de escafandros de que está a falar… Podia ser mais específico?” Tudo bem, repliquei, a espumar o visco da bondade compreensiva. Aqui vão eles. E enviei-lhes desenhos tirados da net de escafandros semelhantes ao que o Verne utilizou nas 20.000 Léguas Submarinas.

Dias depois: “Ai João, ai João, esta sua capa é muuuuuuuito complicada. Seria possível arranjar qualquer coisa, a modos que, mais fácil e acessível ao comum dos leitores?” Suspiro. O menino Jesus a agonizar no berço. OK. Aqui vai outra sugestão: que tal o famoso desenho do Percival Lowell sobre Marte, aquele onde se vêem os canais? Isto para demonstrar que estamos a falar de um outro Marte que não é o “nosso”. O que acham? “Ah sim, isso sim, vamos já comunicar os seus desejos à nossa competente equipa de capistas. Ufff…  Ainda bem que se resolveu o problema… Obrigado e beijamos-lhe as mãos…”

Fiquei à espera, junto ao berço de um menino Jesus já um tanto requentado.

E eis que surge a capa. Percival  Lowell, onde estás tu? Nope. Desapareceu do mapa. O que vejo é a fotografia inócua de um Marte SEM canais. Tirada por uma das muitas sondas. Ora toma. “Uhn? Linda capa, João… Não acha? Aqui está Marte por inteiro… Gostou?” E os canais, perguntei a medo. Onde é que ficaram? “Canais? Quais canais? Marte não tem canais, pois não?”

O menino Jesus tem agora o aspecto do proverbial zombie. E a mim resta-me o silêncio. Os braços caídos. Um suspiro inaudível.

João Barreiros

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“Nostalgic for the future”


Este é o número 9 (de 1974) da revista Science Fiction Monthly (SFM), publicada pela New English Library (NEL), uma editora de paperbacks criada em 1961 e especializada, sobretudo, em ficção científica. Bastam as dimensões para traduzir a importância que o género tinha na altura: 40 x 28 cm, num misto de revista glossy e jornal (as folhas não são agrafadas), sendo que o verso da capa servia de poster, exibindo uma obra do ilustrador entrevistado em cada número e que serviria, igualmente, de capa para uma das publicações da NEL ou de outras editoras.

Este é o único número desse revista que possuo, e a razão para isso compõe-se de duas palavras: David Pelham (cuja ilustração para Tiger! Tiger! de Alfred Bester adorna a capa). As duas páginas que lhe são dedicadas tinham como claro pretexto a reedição pela Penguin, nesse ano de 1974, das obras emblemáticas de J.G. Ballard da década precedente, com novas capas e uma caixa (Prova A) primorosamente ilustradas e concebidas por Pelham, que era à altura o director de arte da grande editora inglesa.

Prova A

O interesse da entrevista aqui publicada (apesar do título algo pomposo: “The artist in Science Fiction”: para vê-la e lê-la na íntegra, ir aqui e aqui) estende-se, contudo, para além da inegável importância deste designer no panorama da edição inglesa desses anos. Não sendo um ilustrador exclusivamente dedicado à fantasia e à FC, como todos os outros entrevistados pela SFM, e não tendo apenas, dentro do género, ilustrado as capas de Ballard (são suas muitas das capas da série de FC da Penguin dos anos 70, bem como a icónica capa de A Clockwork Orange, e já na Panther em finais dos anos 60 se encontram capas suas para obras de FC), ele é aqui apresentado quase como “o” ilustrador de Ballard, uma simbiose que teria a sua justificação no conhecido apreço que o autor manifestou por essas capas da Penguin de meados da década. O curioso é que a simbiose se traduz a um nível extra visual: se Ballard sentiu que as ilustrações de Pelham “cristalizavam algumas das suas mais poderosas imagens literárias”, este, por seu lado, parece pensar e exprimir-se em uníssono com aquele.

O que torna o interesse desta entrevista realmente duradouro é, creio, uma tensão surda que subjaz ao simples facto de ela ter ocorrido. Apesar de trabalhar numa editora modelo e de usar a ferramenta da moda na altura (o aerógrafo) e se inscrever numa linha estética devedora da Pop, as ilustrações de FC de Pelham não eram obviamente “ortodoxas” no sentido comercial que a NEL ou as outras editoras do género defendiam e promoviam. Pelham pensa e trabalha como um designer e um director de arte, recorrendo a bancos de imagens, procurando cruzamentos entre o sentido do texto e o zeitgeist. A força motriz do conceito de “colagem” é nítida. A sua aportação heterodoxa à iconografia do género era já, em 1974, um trabalho solitário de resistência, herdeiro da pesquisa iconoclasta da New Wave inglesa (materializada na revista New Worlds), numa altura em que o próprio Ballard dava os primeiros passos para fora da FC. No cerne, a questão era: que imagem nova pode a FC ter, ou então, quanto da imagem e da estética do presente e do passado recente contamina a visão de futuros mais ou menos remotos?

Essa “nostalgia do futuro”, assumindo o futuro como a imagem decadente, sob a acção das forças da entropia, das novas tecnologias do presente, é o programa de Pelham nestas ilustrações genuinamente “ballardianas”. A suavidade das gradações dada pelo aerógrafo e a obsessão pelo acabamento perfeito (que contrariam de certa forma a “brutalidade” e “selvajaria” que Pelham vê nelas) não retiram às imagens uma profunda melancolia e uma malaise que era, ao mesmo tempo, alheia à estética da FC ilustrada por então e muito contemporânea aos anos pós-1968.

“Pelham describes his illustrations as ‘uncompromising, brutal and savage’: machines appear starkly and incongruously against a background of frightening simplicity –  and present a philosophy of the future in picture form. To Pelham these machines are the debris of our society: ‘I’ve a big thing about machines and their subsequent breakdown. I love the idea of all this work going into making a machine and then it not working or being left redundant.’
Pelham explains his outlook in terms of a simple analogy: as many people find romance in viewing previous epochs, so he finds romance in seeing the future as if it were already the past – in visualizing ruins created from the artifacts we are manufacturing now.” (SFM, nr. 9. vol. 1, 1974, pp.6-7)

In English soon.

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Colóquio “Mensageiros das estrelas”: programa

No dia 3 de Novembro, estarei na Mesa Redonda às 11:30 horas (sala 2.13), juntamente com Nuno Artur Silva, Filipe Melo e António Jorge Gonçalves, para falar sobre a “imagem do fantástico e da ficção científica na literatura e no cinema”.

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Mensageiros e monstros

No colóquio Mensageiros das Estrelas da Faculdade de Letras de Lisboa participarei no dia 4 de Novembro, pelas 11:30 da manhã, numa mesa-redonda sob o tema “O debate da imagem do fantástico e da FC na literatura e cinema”, juntamente com Nuno Artur Silva, Filipe Melo, António Jorge Gonçalves e a Prof. Alcinda Pinheiro de Sousa da FLUL. No Fórum Fantástico, será apresentado no dia 12 de Novembro o ensaio A simbólica do espaço em “O Senhor dos Anéis” de Maria do Rosário Monteiro, que a Livros de Areia vai publicar.

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Fogueiras e trevas


Duas capas para dois livros na área da fantasia e ficção científica, com uma pitada de romance histórico (confusos?). A mesma composição centrada sobre um eixo vertical, com recurso a iconografia pouco usada mas que se adequava histórica ou esteticamente: um retrato do pintor holandês do século XVII Anthonie Palamedesz (1601-1673) para a capa de As Fogueiras de Deus de Patricia Anthony e um cavaleiro (que adaptei consideravelmente) da autoria do pintor maneirista Francesco Mazzola, il Parmigianino (1503-1540), para a capa de O Feitiço das Trevas da autora portuguesa A.P. Cabral. Neste usei ainda um fundo retirado de um dos quadro do romântico alemão Caspar David Friedrichs e uns centauros pintados por Piero da Cosimo.

BONFIRES AND DARKNESS
Two covers for two books under the joint labels of fantasy, science fiction and a bit of historical novel thrown into the bargain (confused?). The same layout centred over a vertical axis, with the help of some thankfully underused iconography that I happened to find fit either historically or aesthetically: a portrait by Dutch painter Anthonie Palamedesz (1601-1673) for Patricia Anthony’s God’s Fires (Fogueiras de Deus), and a knight (whom I considerably messed with) painted by Italian mannerist Francesco Mazzola, il Parmigianino (1503-1540) for the cover of Feitiço das Trevas (something like The Spell of Darkness) by Portuguese author A.P. Cabral. Romantic German painter Friedrich provided the eerie background for this one also, and a couple of centaurs painted by Piero da Cosimo came in quite handy (I threw in a couple of pterodactyls just for the fun of it, and they do their part quit stoically).

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Gare à la bête

Com o embalo do texto que escrevi para o próximo número da revista Bang, publicada pela Saída de Emergência, com o título Nova vaga, novas capas e que versa sobre o portfolio renovador de capas de Ficção Científica (ou Ficção Especulativa, como então foi moda dizer-se) de algumas editoras americanas e inglesas entre meados da década de 1960 e os inícios ou meados da década seguinte, pus-me a pesquisar portfolios de outras paragens dentro do género por esses anos. A capa em cima encontrei-a pelo método que mais me apraz praticar no ebay, o da pura casualidade. É da edição francesa de 1976 de The Atrocity Exhibition (La Foire aux Atrocités) de J.G. Ballard, publicada pela Champ Libre na sua colecção Chute Libre. A continuação da pesquisa levou-me a este site, onde pude encontrar quase todo o portfolio das capas desta série de FC que durou entre 1974 e 1978. A Champ Libre, fundada por Gérard Lebovici (assassinado em circunstâncias misteriosas em 1984) era uma editora radical, nascida dos événements de 1968, e, como muitos projectos editoriais movidos por esse espírito e por esses anos, parece que soube aliar um gosto visual ímpar à publicação de livros “difíceis”. Dentro do tipo de portfolios que procuro, ou seja, dentro da possível heterodoxia gráfica num género sempre tão conservador, estas capas da Champ Libre são do mais inesperado que pude encontrar. (Para além da questão das vendas, presumo mesmo que o fim da colecção poderá ter tido algo a ver com o arrojo de algumas delas….).

 

É de notar que os editores recorreram aqui à oferta de grande qualidade de ilustradores vindos ou ligados ao universo da BD francesa nesses anos, que são já anos pós-Pilote ou Métal Hurlant, revistas que criaram uma concentração de grandes desenhadores por metro quadrado ímpar em todo o mundo. Não é pois de admirar ver duas capas de Moebius (e que capas!…), e uma de Jacques Tardi (Le Bal des Schizos), antes deste se tornar um dos autores de referência da revista À Suivre.

Uma outra série publicada por outra editora pela mesma altura, a Contre Coup da Sagittaire, parece ter recorrido à mesma estrutura de layout e contenção tipográfica, ainda que preterindo a ilustração em favor do tratamento e tintagem de fotografias. É o mesmo programa de “choque” visual, mas com alguns excelentes resultados.

In English soon.

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