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Colecção D: Victor Palla e R2

O aparecimento desta “Colecção D”, com a chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda e a direcção editorial do atelier SilvaDesigners, é, indesmentivelmente, um grande acontecimento no pequeníssimo meio do design de comunicação em Portugal, um país cuja bibliografia em torno de temas comuns às disciplinas que compõem ou compuseram historicamente o design gráfico é escassa e quase sempre destinada ao mercado dos livros “raros” e “esgotados”. Que a colecção comece emparelhando dois nomes mais do que consensuais da prática, ainda que de gerações distantes entre si, parece-me um gesto corajoso e que denota alguma inteligência comercial: sendo bilingues, estes são dois livros sobre designers que, de uma forma ou outra, conseguiram ultrapassar os limites nacionais e impor o nome no estrangeiro (Palla, é claro, fê-lo já postumamente e apenas através da “redescoberta” internacional do Lisboa Cidade Triste e Alegre; quanto aos R2, terá havido portfolio nacional mais “globalizado” e difundindo internacionalmente nos últimos quinze anos do que o da dupla Lizá Ramalho e Artur Rebelo?), pelo que as possibilidades de venda no mercado “global” são consideráveis. Em troca de emails com o responsável pelo conceito da colecção, o designer Jorge Silva, fiquei a saber que um dos modelos em mente seria a série de livros sobre designers contemporâneos “Design&Designers” da editora francesa Pyramid (até no formato, uns bem portáteis 18 x 15 cm), o que concorre para a ideia de uma tentativa (legítima e louvável) de entrada e competição no mercado internacional.

É, contudo, o aparecimento deste livro sobre Victor Palla (o número 2 da colecção) que considero ser o verdadeiro “acontecimento dentro do acontecimento”. A ausência de monografias sobre os nomes basilares do modernismo gráfico em Portugal tem sido, até agora, um mistério difícil de explicar, com uma excepção no excelente catálogo que a Gulbenkian publicou na década de 90 sobre a obra de Sebastião Rodrigues, livro agora também já “esgotado” e remetido às estantes dos alfarrabistas. Lendo a badana da contra-capa, descobrimos que esta colecção D é “dedicada aos designers portugueses de várias gerações”, pelo que, ainda sabendo que não se trata de uma colecção que vise exclusivamente o design gráfico, há razões para esperar que essa escandalosa ausência de amostras de bons portfolios dos anos de 1940 à década de 70 do século passado, em livros baratos e acessíveis, possa ser em breve coisa do passado.

Como modelo da restante colecção, a monografia apresenta-se visualmente sedutora, com uma excelente selecção de capas (incluindo várias amostras das “capas imaginárias”), para além de amostras de capas e spreads de revistas, projectos de branding e packaging e de material decorativo para bares e snack-bars (concebidos, estes também, pelo atelier de Palla). No caso das capas de livros em particular, é escusado afirmar que a quantidade (e a qualidade das fotografias e da impressão) é aqui um valor acrescido, tornando este livro, para já, na referência máxima do trabalho deste designer como capista. (Impõe-se de novo a importância de ver o objecto-livro original, como acontecia já, por exemplo, na revista Alice quando Jorge Silva era dela o director de arte.) A estrutura editorial do volume é muito simples: um pequeno (íssimo, diria, mas já lá irei) texto sobre a obra do designer (no caso, assinado por Bárbara Coutinho), o corpo central constituído pelo portfolio em amostra, e um ainda mais pequeno texto biográfico final (assinado pelo neto do designer, João Palla Martins, que sobre ele publicara já um muito interessante ensaio no volume The Triumph of Design, editado pelo IADE).

Se visualmente estamos mais do que bem servidos, dificilmente poderia considerar o texto em oferta tão rico em quantidade, pelo menos tão nutritivo quanto creio que leitores exigentes devem esperá-lo. Descontando a versão em inglês, o texto de introdução de Bárbara Coutinho resume-se a três páginas, e o texto de Palla Martins a duas (de um total de 128), perdendo-se, pelo meio, excelentes oportunidades de enriquecer esta “dieta” com legendas mais informativas e “literárias” e menos “formais” (há excepções, como no caso das legendas que acompanham os livrinhos da editora Ler ou as imagens relativas ao snack-bar Pique Nique, mas são claramente isso: excepções). Algures, por trás destas dezenas de capas, estarão certamente histórias curiosas, cruzamentos de contextos pessoais, culturais ou políticos, cujo conhecimento poderia enriquecer a apreciação estética e servir de arranque a pesquisas por parte de leitores aventureiros. De assinalar também a falta de uma bibliografia que incluísse livros editados ou antologiados, artigos de e sobre Palla e todas as entrevistas dadas por ele (nesse sentido, o pequeno catálogo publicado pela P4 continua imprescindível pelas referências a entrevistas na imprensa). Entendo que o público-alvo da colecção possa ser visto como valorizando mais a informação visual do que a escrita, e que o bilinguismo obrigue a uma contenção que impeça o aumento de páginas e o encarecimento do volume, mas não consigo deixar de pensar que falta aqui mais “substância” ensaística, e, porque não, um aroma do estilo que o mesmo Jorge Silva tão bem tem explorado no seu blogue. A subtil ironia, a proximidade e a compreensão de um passado gráfico visto com a lente dupla da nostalgia pessoal e do rigor analítico que ele tem demonstrado nos posts do Almanaque Silva fazem-me concluir que há, neste volume em particular, uma ausência notável: a do Jorge Silva ensaista.

Apesar do que acima escrevi, as qualidades puramente visuais destes livros e o cuidado posto na sua produção (junto na observação o volume dedicado aos R2) impõem-se e tornam-nos numa excelente compra (a um preço muito aceitável) e em documentos a preservar. Espero que se mantenha este equilíbrio entre portfolios “antigos” e portfolios mais contemporâneos, ainda que, dos quatro nomes previstos para as monografias a publicar até ao final do ano, apenas Paulo-Guilherme d’Eça Leal se apresente como representante dos “antigos”. Por um lado, compreendo a necessidade de mostrar coisas actuais (sobretudo na área do design de equipamento) a um mercado internacional, num contexto de necessidade imperiosa de exportar e valorizar o produto nacional, mas, por outro, e especificamente no design editorial, esta colecção (ainda para mais com a chancela da INCM), perante a bitola elevada que revelou neste volume dedicado a Victor Palla, tem a obrigação de, pela primeira (e, possivelmente, única) vez, organizar, mostrar e divulgar amostras de trabalhos de designers que, de outra forma, estariam remetidos para sempre às descobertas fortuitas nas estantes de livros em segunda-mão. Num país em que mostrar livros pelo seu design parece não ser visto pelos museus como actividade “nobre” (dois exemplos: a falta de espaço em museus que Andrew Howard encontrou para a “sua” Gateways em 2008, e o facto de a única exposição de livros da Experimenta 2011 ter sido programada na área “tangencial” e não passar sequer pelo Museu de Design), a anunciada apresentação “oficial” desta colecção em Novembro próximo, precisamente no MUDE (que aparece na ficha técnica como “parceiro” do projecto), pode significar uma mudança e uma abertura do único museu de design nacional ao design editorial. Melhor pretexto do que estes belos livrinhos (que são, no seu cuidado de seleccionar e “exibir” da forma mais fidedigna e limpa, pequenos museus portáteis) seria difícil.

Introducing the D Collection, a series of monographs on Portuguese designers, from the mid-century modernists to the most cutting-edge contemporary (masterminded by Jorge Silva, of SilvaDesigners atelier). The first two volumes are dedicated to R2 (on the contemporary side) and Victor Palla, the latter representing a long awaited book on one of the most important and most interesting graphic designers (and photographer, and architect, etc) working in Portugal from the 1940s to the 1980s (and now known mostly for his cult photobook on Lisbon of the 1950s, Lisboa Cidade Triste e Alegre). The books are rich in visuals (compensating for the less rich offering in text and analysis), bilingual (Portuguese and English) and will definitely be an important addition to the library of any lover of graphic design (and its history) and graphic design books.

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Palavra d’escrita

Registo possível do encontro entre Jorge Silva e António Jorge Gonçalves, às 19:30 horas do passado dia 17 de Junho no S. Jorge, numa sessão (com o título “Palavra d’escrita”) do Festival Silêncio de Lisboa. Tema: a ilustração e a relação do visual com a palavra no design editorial.
Audiência escassa para uma conversa que, quando se afastou da exibição dos portfolios, conseguiu ser assaz pertinente e iluminada (bem mais do que a foto).

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Abriu o Almanaque

Quem sabe, sabe. E Jorge Silva sabe. Tautologias à parte, é tempo de abrir o Almanaque, baixar as orelhas, abrir os olhos e aprender.

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Tensões contraditórias

À imagem do homenageado, Luiz Pacheco, este volume 2-em-1, que serve de catálogo à exposição que esteve montada na Biblioteca Nacional em 2009, está minado de curiosas tensões contraditórias, que não o tornam menos apetecível. A mais óbvia será o facto de um livro sobre o mais perfeito exemplo do “autor marginal” ou “maldito” ser publicado pela Leya (através da chancela D.Quixote), o mais perfeito exemplo de… bem, de tudo o que se oponha ao que é “marginal” e “maldito”. Essa tensão é explícita nos textos de Vítor Silva Tavares (primeiro editor de Pacheco na Ulisseia, e actual porta estandarte da &etc) e, sobretudo, Manuel de Freitas, que introduzem a parte dedicada à editora de Pacheco, a Contraponto, os quais apontam o editor e escritor como o máximo representante de uma certa corrente intelectual e ética diametralmente oposta à infiltração do marketing na edição, chegando mesmo, e de forma muito contundente, a dar “nomes aos bois” nas suas invectivas. Pacheco, mestre no uso e abuso dessas tensões internas, teria aprovado com uma vénia.

Com um design devidamente “retro” de Jorge Silva, o livro parece-me apenas falhar em duas coisas, uma mais compreensível do que a outra. Com uma bibliografia longe de extensa, seria de esperar poder ter, ou na parte dos livros do autor, ou na parte dos livros da Contraponto, ou idealmente em ambas, todas as capas reproduzidas, mesmo que em escalas diferentes. Razões económicas terão certamente imperado, impedindo a escalada no preço final de um livro já muito caro (outra das “contradições” com a praxis de Pacheco no que tocava a preços de livros, e a esta ele não teria achado piada nenhuma). Menos bem me pareceu a oportunidade perdida de focar um pouco mais o lado técnico do editor Luiz Pacheco. No fim, ficamos sem resposta a algumas perguntas, tais como “que editoras tinha ele como modelo ao criar a Contraponto?” ou “qual a sua relação com os criadores dos grafismos, ilustrações e tipógrafos?”. Vítor Silva Tavares tenta um esboço de contextualização com outros pequenos projectos portugueses dos anos de 1950, refere Losfeld como um termo de comparação possível (se bem que Ribeiro de Mello da Afrodite me pareça mais próximo ao editor da Le Terrain Vague, a não ser naquilo de estar “endividado como uma mula”, situação pachequiana por excelência), mas sente-se a falta de depoimentos ou textos de gente que com Pacheco privou no que tocou estritamente à produção dos livros da Contraponto (por exemplo, Paulo Guilherme d’Eça Leal, que desenhou o elegante logo da editora). As condições de produção e tudo o que tenha a ver com o design editorial dos livros continuam arredios da história dos mesmos que por cá se faz.

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Alice recordada

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Creio que a terei visto pela primeira vez em Viana do Castelo, pelos idos de 2004 (ou terá sido na Barata de Roma nesse mesmo ano?). Tomando-a, aparentemente, como “mais uma” revista meio frívola sobre a cultura visual urbana, e, num segundo olhar, como um mero portfolio das várias agências de publicidade, foi com espanto que descobri, a páginas tantas, um extenso e muito completo artigo sobre o (então) inovador design dos livros da editora Cavalo de Ferro (terá sido, portanto, esse número de Outuno de 2004 o primeiro que conheci – Prova A). Era algo de totalmente inédito na imprensa cultural portuguesa: alguém decidira escrever um artigo sobre design editorial indo directamente à fonte, aos designers e editores, sem recorrer a “críticos”, “personalidades” literárias ou professores de cursos de Comunicação. Os  livros eram fotografados e mostrados de uma forma directa e despretensiosa (Jorge Silva e o seu atelier optaram aqui por uma grelha muito simples e o uso quase exclusivo da Times New Roman), com alguns spreads de exemplo (fazendo  coincidir, em certos casos, a calha dos livros fotografados com a da própria revista), e dados à contemplação como objectos estéticos.

Prova A
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A atenção ao detalhe e à voz do designer neste e noutros artigos (como, por exemplo, o dedicado ao trabalho da designer Raquel Porto – Prova B) permanece, infelizmente, caso único entre nós, que não me lembro de ver nas páginas da Egoísta, da LER (quer na antiga, quer muito menos na nova incarnação), do Ípsilon ou no único jornal de circulação nacional dedicado às “letras”, o JL. Como já escrevi aqui, opera-se nas páginas desta imprensa cultural um paradoxo curioso: apesar de aí reproduzidas intensivamente, as capas dos livros criticados tornam-se invisíveis pela completa ausência de reflexão sobre os mecanismos da sua criação e articulação com os textos que representam.

Prova B

Tal como parece acontecer com estes projectos de revistas sobre livros e edição muito originais (lembro-me da Zembla), a Alice, apesar de contar com o apoio do Clube de Criativos de Portugal, durou pouco e acabou em 2005. E não fossem esses dois ou três fortuitos encontros em livrarias ou papelarias, mal teria dado por ela.

Quis o acaso que, em Abril deste ano, acabasse por conhecer a directora editorial da Alice, Maria João Freitas. Revelada como uma bibliófila informada, pude então perceber que esse cruzamento excitante de revista-portfolio com uma linha editorial quase introspectiva, literária, honestamente curiosa e sem muletas de jargão de “classe” era da sua total responsabilidade (a começar no nome da revista, como prova a sua dedicada colecção de todas as imagens relacionadas com a Alice original, a de Lewis Carroll). A minha curiosidade sobre a curta vida desta Alice materializou-se num questionário cujas respostas espero em breve poder colocar aqui.

In English soon.

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One’s own trumpet

Não será algo aconselhável ou comendável, mas em certas ocasiões temos mesmo que tirar o pó à provebial trombeta e dar-lhe uso bem sonoro. Uma dessas ocasiões, no que a este modesto canto diz respeito, é, por exemplo, quando o mais importante e influente designer editorial em Portugal não só perde o seu precioso tempo a ler as palavras que por aqui se lançam, como perde ainda mais tempo a escrever o seguinte:

Em leitura habitual dos blogtaylors, tropecei neste Montag e passei uma boa parte da manhã a devorar todos os artigos. Estou fascinado pela fluência, qualidade crítica e erudição. E os deuses sabem como eu preciso de coisas assim para me orientar neste surprendente e perigoso mundo  da edição de livros.
Ficarei leitor atento.

Estas amáveis palavras do designer Jorge Silva na caixa de comentários deste post serão, por aqui, tomadas como um repto a que espero conseguir corresponder.

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