
Na mesa montada na Fabrico Infinito no Sábado, pelas 16 horas, para a apresentação do número duplo da revista PLI. Da esquerda para a direita: Luís Miguel Castro, Sandra Vieira Jurgens, José Bártolo, eu e João Martino. Quando abri a boca, limitei-me a transmitir a sensação com que fiquei desde o primeiro contacto físico com revista, dois dias antes, e que se reforçou com a leitura quase completa deste número: que, neste particular formato, a PLI é um objecto irresistível, tanto visual e tactilmente como pelo seu conteúdo.
Optando por um arriscado sortido de formatos e texturas, como se fosse, de facto, a aglutinação de um conjunto heteróclito de pequenas edições (a propósito de um dos textos aqui publicados, lembrei-me da Aspen de 1965-1971, a “revista numa caixa”, uma das quais foi concebida por Quentin Fiore logo após a publicação do Medium is the Massage), a dupla Bártolo (editor) e Martino (director de arte) conseguiu criar um objecto editorial que tem na ausência aparente de uma vontade uniformizadora do estilo ou temáticas dos textos um dos seus maiores trunfos e apelos para o leitor, pelo desafio que coloca a este e pela recompensa que o espera nos possíveis (necessários mesmo) regressos à revista para novas leituras, novos cruzamentos. Receio diferir aí da Sandra Jurgens, que defendeu um caminho estilisticamente mais uniforme e coeso no futuro da revista: é precisamente esta oferta multiforme, quase caótica, que me fascina, tanto mais quando a qualidade dos textos à disposição complementa a cola da lombada na função de elemento aglutinador desta miríade de propostas.


Dos dezasseis “artigos” (termo que aqui pecará, de alguma forma, por defeito), poderia começar pelo de Maria João Baltazar, “Design e mediação comunicacional”, onde se analisam duas obras incontornáveis na história do design editorial e no contexto do estatuto do designer como autor: Malerei, Fotografie, Film de Moholy-Nagy (1927) e The medium is the massage de Quentin Fiore e Jerome Agel, “samplando” obras de Marshall McLuhan (1967). Desde que li o artigo sobre ele no já distante Design Writing Research da dupla Abbott Miller/Lupton que o trabalho de Fiore neste paperback (e noutros, genericamente conhecidos como “inventory books”) é uma das minhas referências e uma fonte de deleite. Calhou a coincidência de ter recebido a revista quando estava a ler precisamente o notável ensaio de Jeffrey Schnapp e Adam Michaels The Electric Information Age Book (Princeton AP, 2012) sobre o trabalho de Fiore e Agel na redefinição da função do paperback e as suas experiências de fusão do mesmo com o layout das revistas, fazendo a produção ultracomercial de livros de bolso na América mergulhar (durante uns anos: de 1967 a meados da década seguinte) na mesma fonte de inspiração de onde brotara o livro de Moholy-Nagy e outros produtos do modernismo dos anos 20 e 30. O texto de Baltazar não recorre ainda a este decisivo estudo (seguindo mais o texto de Miller/Lupton, que não acentuava ainda o papel crucial de Agel na produção do livro), e usa como fonte iconográfica a edição da Gingko de 2001, e não a original da Bantam (Carson não bate Fiore no que toca a este livro, lamento), mas como não ficar “agarrado” à revista quando se entra por um raríssimo texto em português sobre um dos quase esquecidos da história do design gráfico?


Incontornáveis: o texto de José Bártolo sobre os anos de 1970, essa década “perdida” entre dois booms sócio-culturais (um dos muitos trunfos do texto está numa revalorização da obra gráfica de Armando Alves); Almada e Ernesto Dois Nomes de Guerra, de António Quadros Ferreira e Paulo T. Silva, sobre o “mixed media” de Ernesto de Sousa em torno da figura de Almada Negreiros, longo work in progress entre 1969 e 1983; a entrevista (necessária mas infelizmente curta) de José Bártolo a Luís Miguel Castro, o designer e director de arte da revista K e de alguns dos melhores catálogos da Cinemateca (e que grande conversa não seria ainda mais se a ela se tivesse juntado João Botelho?); Self-initiated design, uma surpreendente e interessantíssima excursão de Patrick Lacey e Susanna Edwards a outro livro que teve um designer como “iniciador” e autor, Fischer V. Spassky de Derek Birdsall (Penguin, 1972); “Entusiasmo pela publicação”, um panorama das small presses e (auto)publicações na Holanda, Espanha e Reino Unido; uma curiosa recolha de “Statements” sobre a edição feita por designers, da qual destaco o belíssimo texto de Steven McCarthy, para quem estas pequenas edições de autor/designer se assemelham às centenas sementes de carvalho caem no terreiro junto à sua casa, as quais dificilmente germinarão e se tornarão em futuros carvalhos, mas que forçam, pelo seu exemplo, muitas outras sementes a espalharem-se por muitos outros terreiros. Novos regressos à revista poderão fazer-me baralhar e renovar este naipe de escolhas (baseadas, mais do que num critério objectivo, em afinidades de gosto e referências).
À minha frente na mesa, além do livro de Schnapp/Michaels, tinha comigo dois exemplos precisamente desta “vontade de publicar” que é transversal a designers/artistas de várias gerações e condições profissionais ou sociais. São dois livrinhos (auto)publicados por Robert Massin na sua Typographies Expressives: de como um designer com quase noventa anos não baixa os braços perante a dificuldade em aceder à edição comercial de “primeira divisão” (onde ele, aliás, trabalhou durante décadas) e usa os recursos tecnológicos à disposição (como a impressão digital, que permite tiragens reduzidas e uma gestão faseada da produção) para publicar conteúdo de qualidade.

Perante este presente tóxico, a PLI oferece-nos (e nas escolhas que listei atrás isso é notório) uma capacidade de regressão e reflexão sobre objectos da história do design gráfico (ou da produção artística no campo editorial) português, e consegue fazê-lo através de um objecto editorial que, em si mesmo, não empalidece na comparação com os que podemos ver sob as suas páginas/lentes. É, pois, um veículo perfeito para retronautas. Luís Miguel Castro falou da crença dos chineses de que se caminha para o futuro de olhos bem postos no passado e que, quanto mais se conhecer este, melhor se chegará àquele. Eu lembrei-me do personagem do La Jetée de Chris Marker, que procura no passado a sua própria identidade e as soluções de que necessita, quando o presente não lhe dá espaço e tempo para o fazer.
Bastou-me saber pelo José Bártolo que um dos “artigos” da próxima PLI é sobre a influência do Tropicalismo no design gráfico brasileiro (esperando ecos dessa excelente leitura que foi O Design Gráfico Brasileiro dos Anos 60 de Chico Homem de Mello) para ficar já de bilhete na mão e ouvido pousado sobre os carris. Esperemos que a solidez financeira da ESAD seja suficiente para manter o comboio a circular.