Tag Archives: Neue Filmkunst Walter Kirchner

O cinema deste lado do Muro

programasfilme5

Nos anos 50 e 60, no pico da cultura cineclubista pela Europa, alguns distribuidores e exibidores independentes procuraram compensar a falta de recursos para aceder aos materiais de propaganda vindos dos estúdios americanos e dos seus representantes no Continente investindo no design dos seus próprios posters, que eram acompanhados de programas em perfeita coesão estética com os primeiros: era a procura de uma individualidade e de uma afirmação de “marca”, apelando a um público minoritário mas conhecedor.

Na República Federal da Alemanha, um designer criou o essencial do seu portfolio para este segmento de mercado. Trabalhando tanto para a Atlas de Frankfurt (onde também ele estava sediado), como para a Neue Filmkunst Walter Kirchner de Gottingen, Hans Hillmann criou a reputação de melhor “cartazista” alemão com os cartazes feitos para estas duas empresas a partir de finais da década de 1950, quase sempre para filmes “antigos” ou em reprise (para além das ilustrações regulares que fazia para a Twen de Willy Fleckhaus). Capaz de condensar mensagens tão poderosas como simples através da colagem, da fotomontagem ou do desenho (quase sempre misturando estas técnicas), ele é a referência incontornável para a qualidade do trabalho gráfico alemão nos anos 60 e 70, e é quase impossível eleger um favorito entre as muitas dezenas dos seus cartazes de cinema.

programasfilme2

programasfilme3

Estes programas, produzidos entre 1961 e 1969 (que comprei em conjunto por perto de 3 EUR), são a prova do cuidado dos encomendadores, a Atlas e a Neue Filmkunst Walter Kirchner, em procurar um design com impacto apesar de meios reduzidos (raramente usando mais do que 1 cor, por exemplo).  Em todos os programas com design de Hillmann (apenas o de Kinder des Olymp/Les Enfants du Paradis é de Isolde Baumgart) nota-se o seu uso inteligente e ritmado das fotos, com enquadramentos simples que amplificam o dramatismo (como no caso do programa de Ashe und Diamant/Cinzas e Diamantes), a que não seria estranho o seu trabalho como ilustrador na Twen por esses anos, onde o layout de Fleckhaus se impunha como modelo incontornável. Quando necessário, Hillmann recorre ao seu arsenal mais completo (como no caso do programa para Archibaldo de la Cruz, glosando o cartaz – um dos seus mais famosos, e que aparece numa das cenas de Deux ou Trois Choses de Godard – na sua mistura perfeita de tipografia – a palavra Leben [Vida] a ser cortada por uma faca – ilustração e fotografia), ou limita-se a dar notações mais dramáticas pelo uso da cor (como nos programas dos filmes de Godard).

programasfilme4

Os 2 programas da Atlas mostram uma aposta no plano horizontal (num formato ligeiramente maior do que os da NFWK, 23,5 x 20,5 cm), que Hillmann aproveita para explorar as possibilidades de contraste tonal e de escala que os fotogramas do Cinemascope permitem (como no caso do programa de Os Sete Samurais).

programasfilme1

Sobre este designer, por incrível que pareça, só este ano foi publicada na Alemanha a primeira monografia (pela Birkhauser). Para os curiosos mais pacientes, ainda é possível, contudo, encontrar alguns exemplares do número 2 da série Graphic Designers in Europe (que teve edição trilingue nos EUA, em França e na RFA em 1971). Possuo um exemplar da edição alemã (publicada pela Schuler, e dedicada também a Giovanni Pintori, Edward Bawden e Herbert Leupin – Prova A). Nele, um texto assinado por Hillmann abre-nos uma raríssima porta para os seus métodos de trabalho e a sua relação com os distribuidores de cinema (os clientes que lhe permitiam o trabalho mais notado então) e o público-alvo desse trabalho.

Prova Ahanshillmann_book2

Vale a pena citar:

The public
A rather small slice of the cinema crowd, people who do not go to the movies but go to see a particular film.

The client
A former film club initiator who started out wanting to show the films he liked himself, then realized there was a gap in the cinema market he could fill.

The advertising
Posters announcing films, sometimes shown on billboards, but always used in front of the theater; folder, leaflets promoting films, catalogues, programs.

E esta pérola sobre a sua aproximação criativa ao trabalho.

I do like to talk about my work, or, to be more specific, about the process of working, which I think is much more satisfying than the completed thing, probably because everything is still undecided and one has a chance to do something that comes as a surprise to oneself. There is a saying: the more one knows about another person the more difficult it becomes to surprise him (or her). If that is true for oneself, I can only hope my relations to myself remain at a certain distance.

In English soon.

Advertisement

5 Comments

Filed under Cartazes, Soltas