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Algum (necessário) contexto cubano

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Ainda sobre a muito importante exposição na galeria ZDB de cartazes cubanos da OSPAAAL e de alguns exemplares do órgão desta agência de propaganda, a Tricontinental, eis um exemplo do material de “contexto” que, como escrevi antes, creio que falta a essa exposição. Trata-se do número da revista Cuba Internacional de Novembro de 1972, onde se publicou um artigo sobre a escolha do vencedor do 5.º Salão Nacional de Cartazes. Como membro do júri estava o que era já então considerado um dos mais proeminentes designers cubanos, e precisamente o director de arte da Tricontinental (sê-lo-ia até 1975), Alfredo Rostgaard (1943-2004), responsável por muitas das melhores peças que estão expostas na ZDB (e muitas das que não estão). É um artigo interessante, até na surpresa do tom moderado e sereno com que se analisa a suposta existência de uma “escola cubana” do cartaz (algo que, hoje, é quase indiscutível, sobretudo no período que vai de 1959 a finais dos anos 70), concluindo o autor que, apesar da qualidade da produção, os cartazes feitos da ilha constituiriam mais uma “síntese” e um ponto de “confluência” das influências polaca, japonesa e americana.

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Rostgaard, cuja obra, em 1972, exposições internacionais em Londres e Amesterdão tinham já dado a conhecer, chegou a gravar em 2001 um depoimento sobre essa “escola cubana” e em particular sobre o trabalho para a Tricontinental, incluindo os inúmeros cartazes que, dobrados, seguiam dentro dos exemplares da revista enviados para todo o mundo. As suas observações sobre a produção desses cartazes são riquíssimas de detalhe técnico.

Seria conteúdo deste calibre que, como material de contextualização, teria, na minha modesta opinião, dado mais profundidade à exposição na ZDB se tivesse sido posto à disposição dos visitantes, até mesmo a reprodução dos textos de Edmundo Desnoes sobre a questão da estética gráfica cubana do período revolucionário (como o que foi publicado no catálogo da exposição no Stedelijk em 1971) e o seu cotejo com as escolas de referência como a polaca (um curto texto publicado na revista cubana Diseño em 1970).

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[Nota paralela, e prova da tangente que esta produção de propaganda política cubana fez à história portuguesa no contexto na Guerra Colonial (o que apenas confere uma importância acrescida a esta mostra): antevendo o Ano Internacional do Livro (que este número de Novembro desse ano comemora precisamente), um artigo de um número do final de 1971 da Cuba sobre a situação da edição e da leitura na ilha fora transcrito pelo Notícias da Amadora para ser publicado no dia 8 de Janeiro de 1972, o que o Exame Prévio não autorizou, cortando-o na totalidade.]

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Chegam os cubanos

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Seis anos depois da excelente exposição dedicada ao trabalho de Emory Douglas para o Black Panther Party, a galeria ZDB (Zé dos Bois) em Lisboa entra de cabeça na divulgação do quase inesgotável manancial da propaganda cubana, no caso para a agência OSPAAAL (Organización de Solidaridad de los Pueblos de África, Asia y América Latina) entre 1960 e 1980, o pico da influência político-militar cubana no terceiro mundo, na qual a qualidade desta propaganda teve um papel não despiciendo.

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Se a ligação de uma para outra exposição é lógica e pertinente (Douglas fez alguns belos cartazes para a OSPAAAL, sendo o único designer/artista gráfico norte-americano convidado para tal), e o singelo e arejado espaço da ZBD volta a ser bem aproveitado para fazer brilhar estas peças, há pequenas coisas que, creio, não se pode deixar passar no caso de uma exposição que, como esta (e ao contrário da de há seis anos), se insere numa programação cultural oficial, num destes “eventos” já ubíquos por toda a Lisboa e durante todo o ano, no caso o da Capital Ibero-americana de Cultura 2017. Não há qualquer informação escrita junto às peças (o orçamento disponível – que não creio ter sido baixo, dados os apoios que o cartaz anuncia – não deu para umas legendas em vinil na parede e em papel nas vitrinas?), e a folha de exposição tem muito pouca. Não há nem uma reprodução de um destes cartazes à disposição do visitante para comprar e levar para casa (e se há cartazes que foram feitos para serem “levados” e disseminados são estes). Faltaram à chamada cartazes histórica e esteticamente importantes, como o do “Dia da Guerrilha Heróica” de Elena Serrano (1968), o “Cristo guerrillero” de Alfredo Rostgaard (1969) ou um dos cartazes de Olivio Martínez para a campanha da colheita dos 10 milhões de toneladas de cana de açúcar (1970). Para além dos exemplares da Tricontinental, nem um livro ou exemplar de outras revistas ou jornais cubanos do período (Bohemia, Cuba, o influente suplemento cultural “Lunes de Revolucion” do jornal Revolución, etc) que contextualizasse esta produção. Nem uma fotografia dos artistas gráficos durante aqueles anos (alguns dos quais, é certo, saíram de Cuba e poderão ter-se tornado “personae non gratae”), ou dos seus ateliers, ou das gráficas, tanto em offset (um luxo em Cuba por então, reservado quase em exclusivo para estes cartazes de propaganda internacionalista) como em serigrafia, e de quem lá trabalhava. (Caso a ZDB queira e consiga repetir a proeza com os cartazes do ICAIC – o pináculo da escola gráfica de Cuba –  espera-se, pelo menos, que corrija o que ficou apontado atrás.)

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De resto, a exposição vale mesmo pela beleza destas peças (com uma surpresa pelo meio: a maqueta de um painel “tridimensional”), entre o aparente “naif” e o sofisticado (alguma da melhor arte Pop e mesmo psicadélica dos anos 60 foi produzida em Cuba), feitas com poucos meios ou quase nenhuns e a milhas de distância pastoso “realismo socialista” que a China e a URSS impunham como estilo de representação visual na propaganda impressa nos países da sua esfera de influência (em Testimonios del Diseño Gráfico cubano 1959-1974, uma edição de 2010 coordenada por Hector Valverde, César Mazola Álvarez conta que uma exposição de cartazes e livros cubanos que estava para ser inaugurada em 1969 em Tirana, capital da Albânia, “no se pudo montar porque el país receptor determinó que los carteles y libros no eran representativos del realismo socialista”). Quase cinquenta anos depois da “descoberta” dos cartazes cubanos em Londres, numa exposição na Ewan Phillips Gallery em 1968 (tendo o museu Victoria and Albert arrebanhado imediatamente todo o conteúdo da mesma, o que explica, por exemplo, que do livro de John Barnicoat de 1970 Posters: A Concise History, da colecção “World of Art” da Thames and Hudson, constasse já a reprodução de um cartaz cubano), a ZDB trouxe finalmente (e não digo pela primeira vez porque não sei se é de facto) uma parte de leão da “grafica cubana” a Portugal com uma exposição de material importante (até historicamente, dado o envolvimento de Cuba nas lutas de libertação nas ex-colónias portuguesas: Angola, Moçambique, Guiné e a figura de Amílcar Cabral, por exemplo, foram o objecto de muitos destes cartazes).

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Luvas negras

Oportuna e plena de interesse, a exposição que vai abrir amanhã, dia 4, na ZDB / Galeria Zé Dos Bois: “All Power to the People. Então e Agora:  a arte revolucionária de Emory Douglas e os Panteras Negras”.

Enquanto grafista “oficial” do Black Panther Party, Douglas foi grandemente influenciado pelo trabalho que vinha de Cuba, em especial a propaganda gráfica da OSPAAAL, chegando a ter composições suas em alguns cartazes dessa organização, o que, tendo em conta a concentração de talento que a OSPAAAL tinha ao dispor em Cuba, é de facto um feito assinalável.

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