Caricaturas portuguesas

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Título
Caricaturas portuguesas dos anos de Salazar

Autor/Ilustrador/Designer
João Abel Manta

Edição
Campo das Letras (2.ª edição), 1998

Dimensões e Impressão
330 x 235 mm, 141 páginas
Rainho & Neves

Descrição
Mais de 150 anos depois do ajuste de contas de Goya com a corrupta Espanha do seu tempo, do outro lado da fronteira João Abel Manta cobrou dos 50 anos de ditadura um dos mais belos livros jamais feitos em Portugal. Mas, ao contrário de Goya, Manta consegue uma extraordinária frieza e um distanciamento (isto apenas 4 anos após o fim do Estado Novo), que só tornam os seus desastres e caprichos ainda mais estranhos e absurdos.

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No auge do seu estilo depurado, de cor plana com ligeiros toques expressivos e contorno negro uniforme (e que tem hoje em Chris Ware, por exemplo, um curiosíssimo semelhante), vindo da sábia digestão da onda Pop dos anos 60 e de muitos anos no trabalho de ilustrador para a imprensa e edição, e depois de um ou dois cartazes icónicos feitos durante o PREC (quem não se lembra ou nunca viu o soldado vigilante sentado em cima do M de MFA?), JAM armou a sua besta e disparou o mais certeiro tiro ao coração dessa névoa pesada que parou sobre Portugal e o tirou da esfera do mundo contemporâneo, cometendo a proeza de nos fazer sentir que, perante isto, cinema e literatura são artes menores no que toca a conseguir uma síntese histórica tão rigorosa, nítida e definitiva.

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Em quadros contidos numa moldura de cor variante e distribuídos ao longo de 14 partes anunciadas a Futura em caixa alta (além da que dá o título ao volume, temos ainda Marcha Real, Camões, Vizo-Reys, Maria, Fátima, Guerra de Espanha, Detenção, Interrogatório, Segredo, Santo António, Idílio e, claro, Salazar), este livro é, na sua própria forma, também uma síntese da concisão gráfica do ilustrador, da clareza de exposição do designer e da atenção ao detalhe psicológico do romancista. E se alguns quadros são, de facto, caricaturas (o do Cinema é impagável, e tão actual… se apenas mudarmos a legenda para Televisão), outros atrevem-se a sondar áreas bem mais escuras (o sadismo da disciplina dos padres em Padre-Mestre e os quadros de Interrogatório – Provas A e B). A capa é prodigiosa: sem título, sem nome do autor, sem nada mais a não ser duas enormes portas de metal que, como uma boca de dentes aguçados, se preparam para nos engolir e fechar do mundo lá fora, do qual apenas vislumbramos, por entre a serrilha metálica, um barco no horizonte .

Prova A
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Prova B
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Fosse este país orgulhoso da uma certa genialidade que foi tendo, e este livro estaria como leitura/visão obrigatória nas escolas (Plano Nacional de Leitura, alguém?). Sendo o país que é, nem nas escolas, nem nas livrarias… Nunca tive nas mãos a edição de 1978, mas atrevo-me a adivinhar que carece do único senão que encontro nesta utilíssima edição da Campo das Letras: o papel, cujo brilho colide com a serenidade obrigatória que um papel menos couché traria ao contacto com as páginas. E agora, Mestre João Abel Manta (80 anos a cumprir neste mês de Janeiro), por que espera para um livro sobre estes últimos 30 anos?

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