Começar com um estouro

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Se a carreira de Fernando Ribeiro de Mello acabou com um “elliotiano” gemido, submergido na vaga de concorrência livre de censura e de insegurança financeira que os novos tempos pós-revolucionários fizeram abater sobre um certo tipo de pequeno editor raivosamente independente que, em Portugal, ele personificava sem par, pode-se afirmar também, e com toda a certeza, que ela começou com um dos maiores estouros de que há memória no mundo das letras nacionais nas últimas cinco décadas (se, por “nacional”, entendermos o que se entendia há cinquenta anos, e se entende ainda hoje: de Lisboa). Mas não começou com um livro. Antes dessas absolutas e muito corajosas loucuras que foram as edições do Kamasutra e da Filosofia na Alcova de Sade num meio cultural oprimido pela censura e pelo corpete da moral católica, houve algo chamado “o Teste”. Se a fama da Afrodite se fez com o lançamento desses títulos impensáveis numa altura em que o Estado Novo parecia ainda monolítico, é também verdade que foi esse “Teste” que deu ao nome de Fernando Ribeiro de Mello uma notoriedade que ele aproveitou, investindo-a no arranque como editor. Podemos então concluir que, se a Afrodite nasce no Verão de 1965 com o Kamasutra, a figura do provocador estético Fernando Ribeiro de Mello surge na noite de 8 de Junho de 1964 (tinha ele apenas 23 anos), no salão da Sociedade Nacional de Belas Artes à Barata Salgueiro, a partir das 21:45 horas.

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Sobre o que se passou nessa noite há 50 anos, o que a antecedeu e as consequências imediatas desse “Teste” (em particular uma renhida polémica no Jornal de Letras e Artes com Francisco Sousa Tavares, o marido de Sophia de Mello Breyner) acabo de publicar pela chancela Montag um pequeno livro chamado A Técnica do Golpe Literário. Trata-se de um excerto (ligeiramente editado) do texto da monografia que preparo sobre o fundador das edições Afrodite, intitulada Fernando Ribeiro de Mello: Editor Contra (e onde se incluem testemunhos e/ou textos de Vitor Silva Tavares – que trouxe Almada Negreiros ao salão da SNBA, nessa noite, e que começaria aí uma longa amizade com o futuro editor da Afrodite –, Aníbal Fernandes, Eduardo Batarda e Nuno Amorim).

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Para além da óbvia (e, espero, desculpável) estratégia de amostra e promoção antecipada desse livro (tendo em vista até uma campanha de crowdfunding), decidi-me pela publicação deste excerto como livrinho independente também para colmatar um notório esquecimento deste “Teste”, que as memórias publicadas dos anos 60 em Lisboa têm ou omitido completamente ou aludido de forma vaga: em suma, para resgatar das fontes bibliográficas ou jornalísticas e dos testemunhos de quem o viveu este momento crucial e iniciático na carreira de uma das figuras incontornáveis da vida cultural da capital na última década antes da Revolução de 1974 (como exemplo desse esquecimento, há um artigo publicado na Sábado de 10.04.2014, em torno da vida do casal Sousa Tavares / Sophia de Mello Breyner, onde nem uma referência se faz à polémica que o primeiro teve com Ribeiro de Mello depois da sessão do “Teste” – à qual aquele assistira –, quando, por admissão do próprio Sousa Tavares na carta publicada no Jornal de Letras e Artes a 26 de Junho de 1964, e que iniciou a polémica, essa fora a primeira vez que ele pedia a um jornal “a publicação de umas linhas”).

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O livrinho pode ser comprado aqui (e pago por Paypal) ou encomendado através do formulário de Encomenda.

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