Nuno Amorim na Afrodite

Continuando no baú da Afrodite, encontrei estas espantosas ilustrações de Nuno Amorim para a edição de O Supermacho de Alfred Jarry (1975). A influência (as hachuras nos meios tons, por exemplo) é óbvia: as bandes dessinés a preto-e-branco de Moebius,  a partir de La Déviation de 1972. Em 1975 a Métal Hurlant estava ainda para ser lançada ou acabara de o ser, pelo que técnica apurada de Amorim o punha ao nível da vanguarda da BD de fantasia e FC. Não lhe calhou a Métal, mas a Visão, lançada em Portugal também nesse ano e também ela ao nível do que se fazia de mais arrojado em França, o que deixa intrigantes questões sobre o que poderia ter sido a história da BD em Portugal se tivesse havido por cá o que permitiu o fulgurante arranque daquela revista francesa. Mais amostras das ilustrações de Amorim para esta edição aqui e aqui.

Um ano mais tarde, em 1976 (e 10 anos antes de eu encontrar um exemplar no alfarrabista ao fundo das Escadinhas do Duque em Lisboa), e de novo com “arranjo gráfico” do editor Fernando Ribeiro de Mello,  será de Nuno Amorim também a maior parte das ilustrações de uma das edições mais estranhas da Afrodite, uma antologia (a Afrodite “especializara-se” nestas edições antológicas, com o destaque para a Antologia do Humor Português de 1969, com uma icónica capa de Sena da Silva) d’O Sexo na Moderna Ficção Científica, título que pecava por falta de precisão pois os autores antologiados eram todos franceses (os dois nomes mais sonantes sendo Jean-Pierre Andrevon e Pierre Christin, depois o argumentista de Bilal).


Tal como na edição de Jarry, a capa parece destoar, pelo exagero cromático, da qualidade das ilustrações a preto, mas o arrojo visual da edição é inegável e um caso quase ímpar na edição de FC em Portugal (o João Seixas ou o João Barreiros poderão elaborar sobre isto muito melhor). Algumas páginas são particularmente cativantes e lembro-me da impressão que me causaram na altura. A esta distância, Nuno Amorim parece alguém em perfeita sintonia com um certo tipo de estética visual da BD desse tempo (ao seu nível, apenas me lembro, do que vi, de Carlos Zíngaro ou José Abel – desenhador de um brilhante Aux Mains des Soviets publicado pela Humanoides Associés em 1984 –, e no que à FC diz estrito respeito, de Vítor Mesquita – este mais a pender para um Druillet do que um Moebius – ou de algumas coisas de Fernando Relvas no final dos anos de 1970 e inícios de 80).

7 Comments

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7 responses to “Nuno Amorim na Afrodite

  1. :o, fantástico. Pelos vistos sou só eu que só encontro tralha nos alfarrabistas.

  2. Creio que não partilhamos o mesmo conceito de “tralha”… :)

  3. O Fazenda é que me enviou o vosso link. Por acaso ainda tenho um exemplas do Jarry e da Antologia FC. Também tenho ainda um ou 2 originais de ilustrações da FC, os outros o Ribeiro de Mello ficou com eleas, não sei oo q será feito delas… Fiz ainda umas “iluminuras” para, salvo erro, o “Manual dos Inquisidores”, mas perdi o meu exemplar durante as mudanças ao longo dos anos… è curioso falar da Metal Hurlant: em 76 fui a PAris mostra os meus trabalhos ao Dionnet, q gostou eme disse para mandar mais bds, qd tivesse. Embora tenha feito umas ineditas, nunca mandei…

  4. Olá Nuno, e obrigado pela sua visita!

    Comprei a cópia da Antologia de FC em 1986, no pico do meu interesse pela BD e da minha “fase Moebius”, pelo que, na altura, descobrir que em 1976 havia em Portugal quem desenhasse assim (talvez o Caza fosse mais próximo dos seus desenhos do que o Moebius, pensando bem) foi uma enorme surpresa (sabia já da Visão de 75/76, mas o nome que associava mais a essa revista era o de Vítor Mesquita). A BD podia ter sido, realmente, um caso sério em Portugal na fase certa, de 75 a meados dos oitentas, mas já em 1985 o novo (e fugaz) “Mosquito” anunciava que a oportunidade tinha sido perdida. Quem sabe, se tivesse enviado essas pranchas ao Dionnet… ;)

    Para além destas suas ilustrações, lembro-me de ver com espanto, no Jornal da BD, o “Às Mãos dos Sovietes” com os desenhos de José Abel (publicado na Humanoides!) e pensar que de facto algo tinha falhado por cá para se desbaratar tanto talento. Lembro-me também, por esses anos de 84 ou 85, de uma excelente ideia do Júlio Isidro num talkshow chamado Pau de Canela (seria esse o nome?), ao convidar uma série de autores de BD para uma espécie de “cadaver exquis” em que cada um desenhava uma prancha durante a hora de cada programa, fazendo evoluir a história a partir da prancha anterior. O Nuno foi um dos convidados (lembro-me do Zíngaro lá também, com uma fabulosa prancha). Tudo era depois publicado num jornalzinho semanal com o mesmo nome do programa (é incrível pensar que a TV em Portugal já tenha sido assim tão interessante).

    Devo apenas acrescentar ao meu post que os créditos dos desenhos devem também ser atribuídos a Pedro (creio que a ficha técnica apenas menciona o seu primeiro nome, mas terei de confirmar com o João Seixas, o actual detentor dessa cópia).

    Pedro Marques

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