Um livro, uma capa: as escolhas de Jorge Silva Melo (X)

TRABALHO POÉTICO I e II
Carlos de Oliveira
Capa de Sebastião Rodrigues
Ed. Sá da Costa, Lisboa, 1978

E, no final dos anos 70, Sebastião Rodrigues é mais gráfico, mais abstracto ainda do que quando começou. Os trabalhos que foi desenvolvendo, sobretudo para a Fundação Calouste Gulbenkian, a atracção que nesses anos se sentia pelo grafismo suíço (frio, clássico, impessoal, elegante como Catherine Deneuve?) limpou, nesse imenso gráfico, todo o acidente calculado que surgia nos seus primeiros trabalhos (para a Ulisseia). É olharmos para esta capa e comparar com um dos Almanaques. Mas também Carlos de Oliveira, ao rever a sua poesia – ao retomar os seus romances e ao escrever esse Finisterra final que tanto nos inquieta ainda – fazia um trabalho parecido: indo ao essencial, despindo a prosa. Por isso, nunca mais posso ver a poesia de Carlos de Oliveira sem estas capas de Sebastião Rodrigues, sem este papel levemente amarelado e grosso, sem a mancha nítida da edição. Foi o breve recomeço da Sá da Costa (essa editora mítica de António Sérgio e Magalhães Godinho), ainda lá se juntou Augusto Abelaira. Mas a experiência durou pouco. Para lá do Saldanha, ninguém queria saber destes livros maiores – que ainda se encontram à venda, nunca esgotaram, embora tenha havido edições posteriores, na Dom Quixote, agora na Assírio e Alvim (mas eu, quando quero ler o Carlos, vou sempre a esta edição de há 32 anos – que se mantém nova e bela). Aqui, para esta poesia demorada de Carlos de Oliveira, Sebastião Rodrigues inventou uma calma intensa, aquele vermelho vivo, aquele negro, aquela lombada, aquele trabalho sobre as letras, aquela estranha moldura – e  o maravilhoso papel e a maravilhosa cola com que se uniram as páginas (dos dois volumes). Um encontro perfeito, a meu ver. Entre a clareza de Carlos de Oliveira e a lucidez (ética) de Sebastião Rodrigues.

Jorge Silva Melo

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